Na sondagem feita aos utilizadores do Tertúlia do Pinhal, onde os questionávamos se concordavam com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado, obtivemos resultados explícitos e que estão em conformidade com as sondagens apresentadas a nível nacional, estas dão uma ligeira vantagem ao SIM. Assim, 67% dos nossos utilizadores responderam que votariam favoravelmente à despenalização voluntária da gravidez, contra 33% que manifestam o apoio ao NÃO. A nível nacional o cenário é idêntico, em sondagem realizada pela eurosondagem para a SIC, Expresso e Rádio Renascença, publicada a 17 Janeiro último, o SIM recebe 52.5% das intenções de voto, contra 47.5% pelo NÃO. Convém relembrar que se a taxa de abstenção for acima dos 50% a lei será levada a votação na assembleia da república.
Neste artigo não me limitarei a fazer parte passiva do problema, tomarei e defenderei a minha convicção.
Primeiro, quero deixar o meu entristecimento pela falta de civismo com que alguns associações/partidos políticos, tanto pelo SIM como pelo NÃO têm demonstrado, usando ideias radicais ou até mesmo xenófobas para a defesa dos seus ideais. Já ouvi e li de tudo, a última e que me deixou completamente perplexo foi o facto dos responsáveis de dois infantários, «A Nuvem» e «Aquário», do Centro Paroquial da Anunciada, terem enviado nas mochilas das crianças uma carta de um feto dirigida à sua mãe.
Na carta pode ler-se “Querida mamã. Apesar de tu não teres querido que eu nascesse, não posso deixar de chamar-te “mamã”. Escrevo-te do mundo do além, para te dizer que estava muito feliz quando comecei a viver no teu seio…Eu desejava nascer, conhecer-te…E pensava que um dia seria uma criança muito alegre. Sonhei poder ir à escola e chegar a ser um homem importante…Eu acreditava que, quando se completassem os nove meses de estar juntinho ao teu coração e nascesse, todos lá em casa iriam alegrar-se com a minha chegada. Mas tu não pensavas como eu – não é verdade, mamã?... – E um dia, quando estava tão feliz a brincar no mais íntimo das tuas sagradas entranhas, senti algo muito estranho, que não saberia como explicar: algo que me fez estremecer. Senti que me tiravam a vida!... Uma faca surpreendeu-me quando eu brincava feliz e quando só desejava nascer para te amar.
Naquele momento, não compreendi quem me estava a tirar a vida... Não sei o que cheguei a pensar… Perdoa-me, mas por um momento a dúvida passou pela minha cabeça e acreditei que só tu o poderias ter feito. Perdoa-me este mau juízo. Como poderia eu imaginar que uma mãe fosse capaz de matar o seu filho quando, em casa, não estorvam nem o gato, nem a televisão? Agora, mamã, sei tudo… Estou aqui no outro mundo e um companheiro que teve a mesma sorte que eu, disse-me que sim, que fostes tu… Disse-me que há mães que matam os filhos antes de nascerem. Mãe, como fostes capaz de matar-me?... Como foi possível que tivesses feito tal coisa contra mim? Por acaso pensavas comprar uma máquina de lavar ou um aspirador, com os gastos que talvez eu te iria causar? O mau conselho que te deram, escutaste-o antes de ouvir o teu coração. Como consentiste que me cortassem aos bocados, me atirassem para um balde? Tinha tantas ilusões… tiraste-mas todas. Pensava poder vir a ser um bom engenheiro ou um sacerdote ou um santo… Poderia ter sido um bom filho e ser um bom pai, mas tu negaste-me tudo…”
Uma carta de profundo mau gosto, que descontextualiza por completo o tema levado a discussão. Vindo de uma instituição religiosa, só demonstra a falta de sensibilidade e sentimento que só os tempos do, já para alguns saudoso, fascismo nos remete. Tanto o "usar" de crianças como meio de propaganda, como o teor do conteúdo desta carta, são LASTIMÁVEIS, ainda por mais vindas de uma instituição que é financiada pelo Centro Distrital de Segurança Social de Setúbal, uma instituição pública.
Pelo SIM, tenho lido algumas coisas também chocantes, como a falta de consideração que algumas associações têm pelas crianças, considerando-as como um estorvo para a mulher.
Ou seja, na radicalidade dos argumentos, pelo SIM faz-se querer que o filho é um empecilho para a mulher, pelo NÃO ignora-se a mulher e faz-se querer que o problema do aborto não existe.
Sou contra o aborto, penso que não incentivaria ninguém a fazer um, mas não é isso que é levado a referendo a 11 de Setembro, é dar a escolher à mulher se esta pode recorrer a clínicas de saúde especializadas e seguras para abortarem, sem serem condenadas, colocando a sua vida em risco, ou se ignoramos este problema e deixemos que continue tudo como está, ou, e na mais RIDÍCULA das hipóteses, já defendida por alguns dos considerados “experts do comentarismo" nacional, adoptamos uma lei menos restritiva, ou seja, continuamos a considerar o aborto ilegal, deixando que o mesmo se continue a fazer aquém dos serviços de saúde, e não condenamos a mulher por um suposto crime. Não é contraditório? Mas de uma já apelidada “república das bananas” tudo se espera.
Às 10 semanas, com 14 gramas e
Não nos esqueçamos que estamos a legislar para “até as 10 semanas”, ou seja, a maioria dos abortos serão feitas nas 5, 6, 7 semanas, numa fase ainda mais embrionária do ciclo de crescimento de um bebé.
O problema existe e é real, hoje em dia qualquer mulher que queira abortar, consegue-o. Quem tem capacidades financeiras vai a Espanha ou Inglaterra e faz um aborto de uma forma livre e acompanhada, quem não tem posses submete-se a fazê-lo em Portugal, onde o tem de fazer escondida e arriscando a sua vida. Onde está o estado social nestes casos?
Dos 27 estados membros da UE, apenas 5, Portugal, Polónia, Irlanda, Malta e Chipre, penalizam o aborto. Na Alemanha, por exemplo, o aborto é permitido até às 12 semanas, contudo a mulher deverá deslocar-se a uma consulta de aconselhamento num centro oficial, na qual recebe esclarecimento médicos e sociais sobre as possibilidade e apoio para ter um filho, e ainda sobre os riscos da IVG (Interrupção Voluntária da Gravidez). Contudo, as mulheres não têm de justificar a sua decisão, caso optem por fazer um aborto. As despesas têm de ser suportadas pelas mulheres, mas só se estas tiverem rendimentos mensais superiores a cerca de 900 euros.
Como o mundo não é perfeito e o problema existe, a única forma de o tentar combater é defronta-lo e ajudando-o, assim penso fulcral votarmos SIM no referendo de 11 de Setembro, deixando ao critério de cada um aquilo que deseja fazer.
O que diz a lei? No 140º artigo do código penal pode ler-se: 3-“A mulher grávida que der consentimento ao aborto praticado por terceiro, ou que, por facto próprio ou alheio, se fizer abortar, é punida com pena de prisão até três anos”.
Para demonstrar o quão contraditórios são os nossos políticos e o quão é para eles fácil mudar de opinião, mesmo quando se tentam debater assuntos sérios e concretos, deixo em baixo o que defendia o então comentador Paulo Portas sobre o aborto, em artigo publicado em 1982 na coluna "Civis, Laicos e Europeus" que assinava no jornal “Tempo” (artigo retirado do blog: barnabe.weblog.com.pt).
“Quanto ao poder laico, e livre, da política, é clara uma transferência do poder político para o poder religioso. É sintomático que as grandes discussões a que, desde há tempos, o País assiste tenham subjacente uma jaez militar ou religiosa. Progressivamente é essa a duplicidade institucional que ordena, solidifica. Do último ponto de vista dois exemplos recentes adensam a preocupação já expressa: por um lado a competição política, provinciana, que já se vislumbra e decerto crescerá, à volta da visita do Papa a Portugal. Pelo rumo que o facto leva vamos assistir naquele que devia ser um acontecimento pastoral e moral de extrema importância, a um jogo turvo de influências, para que saiba quem convidou, quem esteve mais minutos com Sua Santidade, quem mais o acompanhou, quem ganhou os seus louros. O segundo tem que ver com o tom ‘Cro-Magnon’ com que a questão do aborto tem sido tratada entre nós. (…) a AD não tem a menor autonomia de discurso, já se não pede de voto, nem de vontade, em relação à Igreja, e limita-se a repetir o que esta diz,a presenciar o que esta proclama. Os socialistas dividem-se entre a sua história e a história que a Igreja quer que eles façam.
Só por referência lembre-se, por exemplo, que em França foi uma liberal, assumida como tal, da maioria giscardiana, a senhora Simone Weil quem, contra os mais conservadores e os mais ortodoxos, impôs a lei do aborto. Lá, os socialistas não tiveram dúvidas. Giscard, líder da maioria, não interferiu. Quer isto dizer, uma vez mais, que somos subdesenvolvidos; e que, no caso, andamos atrasados, à direita e à esquerda. A menos que se rejeite a Europa moral e apenas se queira a Europa económica…”.
Deixo-vos também uma rábula do programa Gato Fedorento, onde de uma forma sarcástica, sucinta e eficaz se consegue demonstrar o quão contraditórios e superficiais conseguem ser alguns dos chamados “políticos de topo” da nossa praça pública.